Com base no inc. XXXIX do art. 5º da Constituição Federal - “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, construiu-se a tese de que seria possível medida provisória tratar de matéria penal, desde que pro reo, pois a Constituição exigiria lei em sentido estrito apenas quanto a tipificação/apenação de condutas.
Esse entendimento foi acolhido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento, em 08/11/2000, do recurso extraordinário 254818/PR: “(...) medida provisória: sua inadmissibilidade em matéria penal - extraída pela doutrina consensual - da interpretação sistemática da Constituição -, não compreende a de normas penais benéficas, assim, as que abolem crimes ou lhes restringem o alcance, extingam ou abrandem penas ou ampliam os casos de isenção de pena ou de extinção de punibilidade (...)” - rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU I 19/12/2002, p. 81.
No entanto, sobreveio a Emenda Constitucional 32, de 11/09/2001, que conferiu nova redação ao art. 62 da Constituição Federal, explicitando matérias que não poderiam ser objeto de medida provisória, dentre elas, direito penal - alínea “b” do inc. I do § 1º do referido art. 62.
Nesses termos, a questão que surge é se esse entendimento do Supremo, anterior à Emenda Constitucional 32, subsiste em face do novo texto constitucional, que proíbe medida provisória sobre matéria penal, sem distinções quanto a gravame ou benefício ao réu.
E essa questão ganha contornos concretos ao se ter em mente que o prazo para entrega de armas de fogo à autoridade policial, nos termos do Estatuto do Desarmamento, foi estendido sucessivamente por meio de medidas provisórias editadas após a publicação da Emenda Constitucional 32, pelo que não compreendidas na ressalva, constante no art. 2º da própria Emenda, de que “as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”. E essas medidas provisórias repercutiram na tipificação do crime de posse/porte ilegal de arma de fogo (art. 16 da Lei 10.826/2003), pois o Superior Tribunal de Justiça entendeu que - ver habeas corpus 200901820472, 6ª T., rel. Min. Og Fernandes, DJE 29/03/2010 - tais prorrogações de prazo levaram a uma abolitio criminis temporária.
Note-se que, s.m.j., a nova redação do art. 62 da Constituição Federal não foi levada em conta na construção dessa tese de atipicidade temporária, calcada em medidas provisórias.