As Leis 11.418/2006 e 11.672/2008, ao modificarem o Código de Processo Civil, inseriram no ordenamento jurídico a possibilidade das instâncias de origem, em face de vários recursos extraordinários e especiais sobre os mesmos temas, verificarem, junto ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, do entendimento destas Cortes, respectivamente, quanto à presença de repercussão geral e da questão de direito veiculadas nos recursos. Para tanto, os órgãos a quo devem remeter um ou mais recursos representativos da controvérsia, sobrestando o processamento dos demais que tragam a mesma matéria, até a prolação de decisão paradigma, por assim dizer. Essas modificações visam a conferir maior racionalização à prestação jurisdicional, evitando que as instâncias extraordinárias julguem recursos repetitivos.
Feitas as considerações acima, o problema objeto do presente estudo consiste nos meios processuais a serem usados pela parte que não concordar com o sobrestamento de seu recurso, por entender que não há identidade com aquele que foi remetido aos Tribunais superiores para fins de exame preventivo da repercussão geral/questão de direito. E ainda há que se pensar nos efeitos do julgado paradigma - fruto desse exame preventivo, nos recursos sobrestados indevidamente. Note-se que não há disposição legal sobre essas situações, que reclamam solução.
Para fins de organização das idéias, o estudo será dividido em partes.
I.
Eis os artigos do Código de Processo Civil pertinentes:
“Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
(...)
Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.
§ 1° Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.
(...)
§ 7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:
I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou
II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.
§ 8º Na hipótese prevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial” - destacou-se.
Inicialmente, o que importa vislumbrar é que esses mecanismos dos arts. 543-B e 543-C constituem-se em circuito fechado, no sentido de que o decidido pelo STF e o STJ repercute, direta e imediatamente, apenas nos recursos anteriormente sobrestados. Do contrário, havendo incidência direta nos recursos não-sobrestados na origem e interpostos após a decisão das Cortes superiores, haveria instrumento de vinculação não previsto em Lei. E os efeitos das decisões paradigmas não podem incidir em casos assemelhados, ainda que sobrestados. Há que haver identidade estrita, pois a Lei fala em “idêntica controvérsia” e “idêntica questão de direito”. Porém, nada impede que decisões paradigmas do STF e do STJ, oriundas dos artigos acima transcritos, sejam fundamento - o que não se confunde com incidência direta de efeitos, para inadmissibilidade recursal, na origem, de recursos que não foram sobrestados. É que não se pode olvidar das razões gerais do art. 557 do Codex processual civil: “o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, procedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior ”.
Prosseguindo, não confundir decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido de não haver repercussão geral, que é irrecorrível - caput do art. 543-A do CPC: “o Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo”, com decisão de instância a quo sobrestando o processamento de recursos extraordinários. Essa irrecobilidade apenas surge após a decisão do Supremo, pelo que não influi na impugnação do anterior sobrestamento e, mesmo após pronunciamento do STF, sua incidência possui limites, conforme abaixo se detalhará.
Para uma melhor compreensão da problemática, há que se ter em mente que, por vezes, não coincidem por completo as matérias constantes no recurso em exame no STJ ou no STF e as presentes nos recursos com o processamento sustado nas instâncias anteriores, ainda que guardem pontos de contato. Seria o caso de lides referentes a correção das contas bancárias vinculadas ao FGTS - o mesmo contexto, mas na sobrestada haveria a nota distintiva de um plano econômico com sistemática peculiar, demandando solução diversa. Em que pese a simplicidade do exemplo, note-se que o recurso, especial ou extraordinário, está com o seguimento paralisado, na origem, por conta de exame de questões nos Tribunais superiores, mas tal análise está sendo feita nos limites de lide em que não está presente a parte com o recurso sobrestado. Assim, ainda que haja proximidade da questão de mérito, essa paralisação constitui-se em prejuízo à parte, pois decisão final sobre o bem da vida perseguido está sendo adiada por conta de situação que não lhe diz respeito, eis que não abrange as especificidades de seu caso. E esse prejuízo autoriza a busca de solução, conforme acima se ventilou.
Nessas hipóteses de sobrestamento indevido, deve-se recorrer ao próprio órgão de origem. Essa paralisação, via de regra, é determinada por decisão monocrática. Então, entra-se com petição - agravo regimental (ou interno) ou medida cautelar, ao colegiado respectivo. E é admissível que se entre com medida cautelar primeiro, e, a depender de decisão monocrática nesta, com agravo regimental.
O que importa é que o pleito deve ser feito no órgão a quo e não diretamente no STJ ou no STF. É que, se o seguimento recursal é paralisado na origem, constituir-se-ia em supressão de instância essas Cortes superiores examinarem, diretamente, da alegação de sobrestamento inadequado. Há que se ter em mente que sustado o recurso, a instância anterior não procedeu à parte que lhe cabe dentro do duplo juízo de admissibilidade, comum aos recursos especial e extraordinário.
Esse duplo juízo de admissibilidade permite que as instâncias de origem neguem seguimento a recursos especiais e extraordinários, ao fundamento de que, v.g., a pretensão demanda reexame de prova ou que é contrária a jurisprudência dominante nas Cortes superiores. Ou seja, os órgãos a quo não se limitam apenas a examinar de requisitos formais, como a tempestividade. Porém, a admissibilidade a cargo da origem não pode ser direcionada ao exame de haver, ou não, p. ex., ofensa à Constituição Federal ou à lei federal. Tal somente pode ser feito pelo STF e pelo STJ. E a decisão pela admissão do recurso não vincula os Tribunais superiores e, em caso de ser negativa, é desafiada pelo recurso previsto no art. 544 do CPC: “não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de 10 (dez) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso” (em lides penais, há que se atentar à Súmula 699 do STF). No entanto, apesar dessas limitações, há que se ter em mente que o exame, na origem, da admissibilidade dos recursos especial e extraordinário é mais profundo que o reservado aos outros recursos.
Assim, com base nas peculiaridades - leia-se, maior profundidade - desse duplo juízo de admissibilidade, é que nenhuma questão - aí compreendido o indevido sobrestamento, pode ser levada ao STF e ao STJ sem que a instância anterior tenha procedido a exame sobre a admissão do recurso. E corroborando essa tese, tem-se as razões gerais da Súmula 635 do Supremo Tribunal Federal: “cabe ao presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade” - destacou-se.
E não se pode olvidar que o sobrestamento sendo, em regra, determinado por decisão monocrática, deve ser impugnado junto ao colegiado de origem, sob pena de se ir contra a posição dominante de que nenhuma questão pode ser levada às instâncias extraordinárias sem o devido esgotamento recursal na anterior.
Nesses termos, em face de sobrestamento indevido, data venia de entendimento diverso, não há como se usar, por analogia, do agravo do art. 544 do Codex processual civil. É que ainda que se esteja diante de decisão monocrática obstando o seguimento recursal, não houve juízo de admissibilidade no piso anterior. Não houve decisão no sentido de não ser caso de recurso especial ou extraordinário. Apenas se paralisou o rito de admissibilidade e na origem. Essa questão específica pode ser posta da seguinte maneira: o recurso do art. 544 tem seu manuseio restrito a juízo negativo de admissibilidade - obstacularização definitiva na origem - e não em face de sobrestamento desse mesmo juízo - obstacularização temporária e condicionada ao exame dos recursos remetidos ao STF/STJ. Aí reside o óbice ao uso da analogia. Tal somente pode ser feito se não há empecilho legal ou decorrente do ordenamento jurídico como um todo. Na segunda hipótese, o próprio ordenamento é que, não raro, oferece outra solução que não a analogia. In casu, o sistema processual não permite que se recorra às instâncias superiores sem o devido juízo de admissibilidade na origem que, aqui, se atrela à necessidade de esgotamento recursal na instância anterior, sendo que há instrumento processual adequado a ser utilizado: petição à instância a quo.
E o mesmo vale para os casos em que a parte pretende apenas conferir efeito suspensivo ao recurso sobrestado, e não reverter a paralisação. Ou seja, o mesmo prejuízo acima referido fundamenta petição, via agravo regimental ou medida cautelar, à instância a quo para que conceda feito suspensivo ao recurso, enquanto perdurar o sobrestamento deste. Nesse sentido, precedente do STJ: “(...) compete ao Tribunal de origem, ainda que sobrestado o processo na forma do art. 543-B, §1º, do CPC, a apreciação do pedido de efeito suspensivo a recurso especial pendente de juízo de admissibilidade (...)” - destacou-se. - STJ - AGRMC 200802200321, 2ª T., rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 16/04/2009.
Chegando-se à compreensão de que em caso de indevido sobrestamento, deve-se usar de petição - agravo regimental/medida cautelar, junto à instância a quo, pois não houve juízo de admissibilidade e nem esgotamento da questão na origem, necessários para se recorrer ao STJ e ao STF, há que averiguar das situações em que o colegiado do órgão de origem insiste na paralisação. Abaixo, buscar-se-á delinear sugestões para a questão.
II.
Primeiramente, o fato do colegiado ter confirmado o sobrestamento, desaconselha - mas não impede, pedidos de reconsideração a esse mesmo colegiado, à medida que mais proveitoso à parte pronunciamento final sobre a paralisação. Segundo, a sustação em tela é instituto previsto no Código de Processo Civil, pelo que, se o sobrestamento é indevido, há, em tese, contrariedade à lei federal, o que autorizaria recurso especial ao STJ. No entanto, a bem da lógica, não há como o STJ examinar de alegação de sustação indevida (e mantida da origem) de recurso extraordinário. É que apesar da paralisação ser fundada em letra de lei federal, apenas o STF possui condições de dizer se o recurso extraordinário sobrestado guarda, ou não, identidade com o que lhe remetido.
Por conseguinte, s.m.j, se o colegiado do órgão a quo não acata as razões para a reversão do sobrestamento, recorre-se, a depender de ser recurso especial ou extraordinário paralisado, ao STJ ou ao STF, via novos recursos especial ou extraordinário - que não se confundem com os que estão paralisados na origem, para que os Tribunais superiores examinem tão-somente se os recursos que lhe foram remetidos tratam da mesma questão que aqueles que se pretende reverter a paralisação de processamento. Esses recursos específicos podem ser fundamentados, no caso do especial, em decisões divergentes de outros Tribunais, ou seja, que reverteram o sobrestamento em casos análogos, e em contrariedade (má aplicação) ao § 1º do art. 543-C do Codex processual civil.
Em se tratando de recurso extraordinário suspenso, reverter tal estado, após a negativa do colegiado de origem, por meio de segundo recurso extraordinário, mostra-se de fundamentação delicada, no sentido de que esse sobrestamento, a bem da coerência e lisura de raciocínio, não se constitui em ofensa direta à Constituição Federal. Não com base no dispositivo constitucional que trata da repercussão geral - § 3º do art. 102 da Constituição Federal: “no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”. Para contornar esse óbice, a parte pode alegar, a depender do caso, ofensa ao devido processo legal, tomando a cautela de ventilar no colegiado de origem o argumento de que o indevido sobrestamento vem lhe causando prejuízos, adiando solução sobre o bem da vida pretendido, o que remete ao inc. LIV do art. 5º do Texto Constitucional - “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Prosseguindo no estudo, se os Tribunais superiores, instigados a tanto por meio dos recursos acima delineados, decidirem pela identidade do recurso sobrestado com o que lhes foi remetido, a paralisação persiste. Se não, o Tribunal de origem deve proceder ao juízo de admissibilidade que, caso seja negativo, confere margem, aí sim, ao manuseio do agravo do art. 544 do Código de Processo Civil.
Do até aqui argumentado, tem-se que a reversão de indevido sobrestamento de recursos especiais e extraordinários deve ser buscada via petição - agravo regimental/cautelar - ao colegiado do órgão de origem. Caso este insista na sustação, há possibilidade de se recorrer ao STJ/STF, por meio de segundos recursos especial ou extraordinário, a depender do caso, mas restritos tão-somente ao exame do sobrestamento.
III.
Ainda resta tratar das hipóteses em que o prejuízo à parte deriva não mais do sobrestamento de seu recurso, mas sim dos efeitos da decisão paradigma. Ou seja, o STF e o STJ já decidiram sobre o recurso que lhes foi remetido para exame, respectivamente, da repercussão geral e da questão de direito.
Conforme a Lei, se o STF decidir não haver repercussão geral, os recursos extraordinários sobrestados serão automaticamente inadmitidos pela instância a quo - § 2º do art. 543-B do CPC. Havendo repercussão geral, os recursos suspensos serão declarados prejudicados no caso de serem contrários ao decidido pelo Supremo quanto ao meritum causae, i.é., o acórdão recorrido está conforme o entendimento do STF, ou o piso de origem poderá se retratar, pois o julgado que prolatou contraria o posicionamento do Supremo - § 3º do art. 543-B do CPC. Caso não se retrate, o recurso extraordinário deve seguir seu curso de admissibilidade usual, sendo que há jurisprudência do STF, conforme mais adiante se indicará, no sentido de que a decisão pela não-retratação autoriza o imediato uso do recurso do art. 544 do CPC, mesmo que a instância a quo não se manifeste, positiva ou negativamente, sobre a admissibilidade. Se não há retratação e ao mesmo tempo admite-se o recurso na origem, aplica-se o § 4º do art. 543-B do CPC.
Já os §§ 7º e 8º do art. 543-C do CPC determinam que se os recursos especiais sustados forem contrários ao decidido pelo STJ, terão o seguimento negado. Se os sobrestados forem conforme a decisão do STJ, o Tribunal a quo pode se retratar. Não o fazendo, passa-se ao juízo de admissibilidade do recurso especial.
Assim, especifica-se que o problema a ser tratado neste tópico constitui-se nas indevidas inadmissão de recursos especiais e extraordinários sobrestados e declaração de estarem prejudicados os extraordinários sustados. E a inadequação advém do fato de que a decisão paradigma, seja do STF, seja do STJ, não abrange todos os aspectos da lide até então paralisada, em raciocínio idêntico ao realizado no início deste estudo.
Quanto ao fato do caput do art. 543-A do Código de Processo Civil ter por irrecorrível a decisão sobre a não-presença de repercussão geral, tal não impede que se busque reverter a declaração de inadmissão dos recursos extraordinários anteriormente sobrestados. É que essa irrecobilidade refere-se apenas ao recurso remetido ao Supremo, lá fazendo coisa julgada. Nos sustados, transmuta-se em efeito, levando à não-admissão, dentro do já referido conceito de circuito fechado. E tal inadmissão, decorrente de efeito de decisão irrecorrível - não se confundindo com esta em si, pode ser impugnada, se indevida. É que os efeitos da decisão paradigma do STF não podem ser aplicados a casos semelhantes ao veiculado no recurso remetido à Corte superior. Tais efeitos somente podem incidir em casos idênticos, sob pena de se conferir a mesma solução a situações díspares. Nesse sentido, o Pleno do Supremo já se pronunciou, conforme abaixo será apontado.
Em sendo assim, para fins de construção de modelo teórico que forneça soluções ao problema, ha que se partir da seguinte premissa: no contexto dos §§ 2º e 3º do art. 543-B, recurso extraordinário inadmitido não se confunde com recurso extraordinário prejudicado. Na primeira situação, a instância de origem faz juízo de admissibilidade sobre o recurso até então sobrestado, concluindo pela inadmissão, em face de pronunciamento do STF pela não-presença de repercussão geral no tema. Se a parte entende que o sobrestamento era indevido e, por conseqüência, inadequada a inadmissão com base na decisão paradigma, deve usar do agravo do art. 544, direcionado ao Supremo, pois houve exame da admissibilidade na instância a quo. Esta fez o registro de que não há repercussão geral, por conta dos efeitos do decidido pelo Supremo.
Agora, se o Tribunal de origem julga prejudicado o recurso extraordinário, pois, não obstante haver repercussão geral, a pretensão recursal vai contra o mérito declarado pelo Supremo, a parte deve peticionar ao órgão a quo, pois não houve juízo de admissibilidade. Note-se, a declaração de estar prejudicado o recurso é feita antes de qualquer exame da admissibilidade, eis que não importa se a pretensão recursal atende aos requisitos de seguimento. O que importa é que não vinga no mérito, por conta da incidência dos efeitos da decisão paradigma. Em casos tais, não há como se recorrer diretamente ao Supremo. Se se insiste, na origem, em estar o recurso prejudicado, é que a parte pode recorrer, via segundo extraordinário, ao STF, mas visando tão-somente à subida do recurso tido por prejudicado, ou seja, visando a provimento no sentido de que a origem proceda ao juízo de admissibilidade.
Em novembro de 2009, o Pleno do Supremo, à unanimidade, pacificou que nesses casos de recurso extraordinário julgado prejudicado na origem, por meio do § 3º do art. 543-B do Codex processual civil, não é caso da parte que se sentir prejudicada ajuizar a reclamação da alínea “l” do inc. I do art. 102 da Constituição Federal, mas sim peticionar, em primeiro lugar, à origem. Eis o julgado em questão:
“RECLAMAÇÃO. SUPOSTA APLICAÇÃO INDEVIDA PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE ORIGEM DO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO PROFERIDA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 576.336-RG/RO. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DE AFRONTA À SÚMULA STF 727. INOCORRÊNCIA.
1. Se não houve juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, não é cabível a interposição do agravo de instrumento previsto no art. 544 do Código de Processo Civil, razão pela qual não há que falar em afronta à Súmula STF 727.
2. O Plenário desta Corte decidiu, no julgamento da Ação Cautelar 2.177-MC-QO/PE, que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do Código de Processo Civil.
3. Fora dessa específica hipótese não há previsão legal de cabimento de recurso ou de outro remédio processual para o Supremo Tribunal Federal.
4. Inteligência dos arts. 543-B do Código de Processo Civil e 328-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
5. Possibilidade de a parte que considerar equivocada a aplicação da repercussão geral interpor agravo interno perante o Tribunal de origem.
6. Oportunidade de correção, no próprio âmbito do Tribunal de origem, seja em juízo de retratação, seja por decisão colegiada, do eventual equívoco.
7. Não-conhecimento da presente reclamação e cassação da liminar anteriormente deferida.
8. Determinação de envio dos autos ao Tribunal de origem para seu processamento como agravo interno.
9. Autorização concedida à Secretaria desta Suprema Corte para proceder à baixa imediata desta Reclamação” - destacou-se. - STF - Rcl 7569/SP, T.P., rel. Min. Ellen Gracie, DJe-232 divulg. 10/12/2009, public. 11/12/2009.
O acórdão acima transcrito reforça a importância da realização do juízo de admissibilidade na origem - que se conecta à necessidade de esgotamento da instância anterior, como requisito a se recorrer às Cortes superiores, em qualquer situação.
E esse mesmo julgado traz que, se o recurso extraordinário sobrestado está de acordo com o mérito declarado pelo Supremo e a instância a quo decide por não se retratar, é caso de manuseio do recurso do art. 544 do CPC: “destaque-se que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia com a manutenção, pela instância ordinária, de decisão contrária ao entendimento firmado nesta Corte, conforme já decidimos no julgamento da Ação Cautelar 2.177-QO/PE, por mim relatada, Dje 20.02.2009. Verifica-se que essa é a única hipótese de remessa de agravo a este Tribunal após o julgamento dos efeitos representativos da matéria”- destacou-se; do voto condutor da Ministra Ellen Gracie.
Assim, tenha-se em mente que essa não-retratação, segundo o STF, equivale a não-admissão na origem, pelo que, para o uso do agravo do art. 544, não há necessidade de que a instância de piso, além de não se retratar, declare, expressamente, não admitir o recurso. Se não se retratar, mas admitir o recurso extraordinário, incide o § 4º do art. 543-B do CPC. É que esse juízo de retratação - que consiste em inovação, no sentido de que à instância de origem é possibilitado reformar seu próprio julgado, fora das hipóteses de embargos de declaração, com efeitos modificativos, e dos embargos infringentes e de nulidade do processo penal - não se confunde com o de admissibilidade na origem.
Ainda, a Ministra relatora, expressamente, registrou que os efeitos da decisão paradigma pela não-presença de repercussão geral, bem como pela presença, somente podem incidir nos recursos extraordinários sustados que veiculem matéria idêntica, e não semelhante, à examinada pelo Supremo: “o presente caso apresente peculiaridade. É que a instância de origem, ao assemelhar a hipótese dos autos a outra em que a repercussão geral não fora reconhecida pelo Plenário Virtual, na verdade não se ateve ao disposto na sistemática da repercussão geral. Tanto o § 5º do art. 543-A, quanto o caput do art. 543-B, ambos do Código de Processo Civil, estabelecem a aplicação da decisão sobre a existência ou não de repercussão geral a matérias idênticas. As instâncias ordinárias somente estão autorizadas a aplicar o entendimento fixado por esta Corte. Se não o fizerem, em juízo de retratação, ficam obrigadas a enviar-nos os agravos interpostos pelas partes. Mas não há qualquer previsão legal ou regimental para a extensão por analogia de hipótese de repercussão geral reconhecida ou não pela Corte. O que justifica todo o novo sistema de racionalização da Justiça é que hipóteses idênticas recebam a mesma solução. É dizer, não estão os tribunais ou instâncias de origem autorizados a aplicar o instituto da repercussão geral a casos distintos, embora assemelhados” - destacou-se.
No caso de decisão paradigma em recurso especial, se o Tribunal de origem não admite, por força do inc. I do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil, o recurso até então sobrestado, usa-se, desde logo do agravo do art. 544 do mesmo Codex, pois houve juízo de admissibilidade (negativo). É que o STJ, ao examinar o recurso remetido, somente pode se pronunciar em dois sentidos sobre a questão de direito, não há juízo sobre repercussão geral, que é, digamos assim, terceiro ponto, cujo exame somente é exigido no Supremo. Daí a inadmissão do recurso especial sobrestado, como efeito da conformidade entre o acórdão recorrido e a decisão paradigma, poder desde logo ser levada ao STJ, caso a parte entender nao haver identidade. E tal não se confunde com declaração de estar prejudicado recurso extraordinário - que deve ser impugnada, em primeiro lugar, no órgão a quo -, ainda que as duas situações tenham em comum serem efeitos de decisão sobre o meritum causae. Tenha-se em mente que, mais uma vez, para fins teóricos, inadmissão e declaração de estar prejudicado o recurso são conceitos distintos.
Ainda, conforme já se disse, nada obsta que decisões paradigmas do STF e do STJ, oriundas dos arts. 543-B e 543-C em comento, sejam base, dentro das razões gerais do art. 557 do Código de Processo Civil, para inadmissibilidade recursal, na origem, de recursos que não foram sobrestados e interpostos após a prolação dos paradigmas. Nesses casos, há juízo de admissibilidade na origem, o que é desafiado pelo agravo do art. 544.
IV.
Em suma: para se selecionar os instrumentos adequados à reversão da indevida aplicação da sistemática dos arts. 543-B e 543-C do Código de Processo Civil, é defensável o entendimento de que se deve levar em conta se a decisão questionada possui natureza de exame de admissibilidade recursal na origem. Se sim, recorre-se ao STF e ao STJ. Se não, há que peticionar ao órgão de origem, para só então se recorrer às instâncias extraordinárias.