quinta-feira, 25 de março de 2010

Estudo sobre a indevida aplicação dos arts. 543-B e 543-C do CPC - sugestões.

As Leis 11.418/2006 e 11.672/2008, ao modificarem o Código de Processo Civil, inseriram no ordenamento jurídico a possibilidade das instâncias de origem, em face de vários recursos extraordinários e especiais sobre os mesmos temas, verificarem, junto ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, do entendimento destas Cortes, respectivamente, quanto à presença de repercussão geral e da questão de direito veiculadas nos recursos. Para tanto, os órgãos a quo devem remeter um ou mais recursos representativos da controvérsia, sobrestando o processamento dos demais que tragam a mesma matéria, até a prolação de decisão paradigma, por assim dizer. Essas modificações visam a conferir maior racionalização à prestação jurisdicional, evitando que as instâncias extraordinárias julguem recursos repetitivos.

Feitas as considerações acima, o problema objeto do presente estudo consiste nos meios processuais a serem usados pela parte que não concordar com o sobrestamento de seu recurso, por entender que não há identidade com aquele que foi remetido aos Tribunais superiores para fins de exame preventivo da repercussão geral/questão de direito. E ainda há que se pensar nos efeitos do julgado paradigma - fruto desse exame preventivo, nos recursos sobrestados indevidamente. Note-se que não há disposição legal sobre essas situações, que reclamam solução.

Para fins de organização das idéias, o estudo será dividido em partes.

I.

Eis os artigos do Código de Processo Civil pertinentes:

Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
(...)
Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.
§ 1° Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.
(...)
§ 7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:
I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou
II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.
§ 8º Na hipótese prevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial” - destacou-se.

Inicialmente, o que importa vislumbrar é que esses mecanismos dos arts. 543-B e 543-C constituem-se em circuito fechado, no sentido de que o decidido pelo STF e o STJ repercute, direta e imediatamente, apenas nos recursos anteriormente sobrestados. Do contrário, havendo incidência direta nos recursos não-sobrestados na origem e interpostos após a decisão das Cortes superiores, haveria instrumento de vinculação não previsto em Lei. E os efeitos das decisões paradigmas não podem incidir em casos assemelhados, ainda que sobrestados. Há que haver identidade estrita, pois a Lei fala em “idêntica controvérsia” e “idêntica questão de direito”. Porém, nada impede que decisões paradigmas do STF e do STJ, oriundas dos artigos acima transcritos, sejam fundamento - o que não se confunde com incidência direta de efeitos, para inadmissibilidade recursal, na origem, de recursos que não foram sobrestados. É que não se pode olvidar das razões gerais do art. 557 do Codex processual civil: “o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, procedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior ”.

Prosseguindo, não confundir decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido de não haver repercussão geral, que é irrecorrível - caput do art. 543-A do CPC: “o Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo”, com decisão de instância a quo sobrestando o processamento de recursos extraordinários. Essa irrecobilidade apenas surge após a decisão do Supremo, pelo que não influi na impugnação do anterior sobrestamento e, mesmo após pronunciamento do STF, sua incidência possui limites, conforme abaixo se detalhará.

Para uma melhor compreensão da problemática, há que se ter em mente que, por vezes, não coincidem por completo as matérias constantes no recurso em exame no STJ ou no STF e as presentes nos recursos com o processamento sustado nas instâncias anteriores, ainda que guardem pontos de contato. Seria o caso de lides referentes a correção das contas bancárias vinculadas ao FGTS - o mesmo contexto, mas na sobrestada haveria a nota distintiva de um plano econômico com sistemática peculiar, demandando solução diversa. Em que pese a simplicidade do exemplo, note-se que o recurso, especial ou extraordinário, está com o seguimento paralisado, na origem, por conta de exame de questões nos Tribunais superiores, mas tal análise está sendo feita nos limites de lide em que não está presente a parte com o recurso sobrestado. Assim, ainda que haja proximidade da questão de mérito, essa paralisação constitui-se em prejuízo à parte, pois decisão final sobre o bem da vida perseguido está sendo adiada por conta de situação que não lhe diz respeito, eis que não abrange as especificidades de seu caso. E esse prejuízo autoriza a busca de solução, conforme acima se ventilou.

Nessas hipóteses de sobrestamento indevido, deve-se recorrer ao próprio órgão de origem. Essa paralisação, via de regra, é determinada por decisão monocrática. Então, entra-se com petição - agravo regimental (ou interno) ou medida cautelar, ao colegiado respectivo. E é admissível que se entre com medida cautelar primeiro, e, a depender de decisão monocrática nesta, com agravo regimental.

O que importa é que o pleito deve ser feito no órgão a quo e não diretamente no STJ ou no STF. É que, se o seguimento recursal é paralisado na origem, constituir-se-ia em supressão de instância essas Cortes superiores examinarem, diretamente, da alegação de sobrestamento inadequado. Há que se ter em mente que sustado o recurso, a instância anterior não procedeu à parte que lhe cabe dentro do duplo juízo de admissibilidade, comum aos recursos especial e extraordinário.

Esse duplo juízo de admissibilidade permite que as instâncias de origem neguem seguimento a recursos especiais e extraordinários, ao fundamento de que, v.g., a pretensão demanda reexame de prova ou que é contrária a jurisprudência dominante nas Cortes superiores. Ou seja, os órgãos a quo não se limitam apenas a examinar de requisitos formais, como a tempestividade. Porém, a admissibilidade a cargo da origem não pode ser direcionada ao exame de haver, ou não, p. ex., ofensa à Constituição Federal ou à lei federal. Tal somente pode ser feito pelo STF e pelo STJ. E a decisão pela admissão do recurso não vincula os Tribunais superiores e, em caso de ser negativa, é desafiada pelo recurso previsto no art. 544 do CPC: “não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de 10 (dez) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso” (em lides penais, há que se atentar à Súmula 699 do STF). No entanto, apesar dessas limitações, há que se ter em mente que o exame, na origem, da admissibilidade dos recursos especial e extraordinário é mais profundo que o reservado aos outros recursos.

Assim, com base nas peculiaridades - leia-se, maior profundidade - desse duplo juízo de admissibilidade, é que nenhuma questão - aí compreendido o indevido sobrestamento, pode ser levada ao STF e ao STJ sem que a instância anterior tenha procedido a exame sobre a admissão do recurso. E corroborando essa tese, tem-se as razões gerais da Súmula 635 do Supremo Tribunal Federal: “cabe ao presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade” - destacou-se.

E não se pode olvidar que o sobrestamento sendo, em regra, determinado por decisão monocrática, deve ser impugnado junto ao colegiado de origem, sob pena de se ir contra a posição dominante de que nenhuma questão pode ser levada às instâncias extraordinárias sem o devido esgotamento recursal na anterior.

Nesses termos, em face de sobrestamento indevido, data venia de entendimento diverso, não há como se usar, por analogia, do agravo do art. 544 do Codex processual civil. É que ainda que se esteja diante de decisão monocrática obstando o seguimento recursal, não houve juízo de admissibilidade no piso anterior. Não houve decisão no sentido de não ser caso de recurso especial ou extraordinário. Apenas se paralisou o rito de admissibilidade e na origem. Essa questão específica pode ser posta da seguinte maneira: o recurso do art. 544 tem seu manuseio restrito a juízo negativo de admissibilidade - obstacularização definitiva na origem - e não em face de sobrestamento desse mesmo juízo - obstacularização temporária e condicionada ao exame dos recursos remetidos ao STF/STJ. Aí reside o óbice ao uso da analogia. Tal somente pode ser feito se não há empecilho legal ou decorrente do ordenamento jurídico como um todo. Na segunda hipótese, o próprio ordenamento é que, não raro, oferece outra solução que não a analogia. In casu, o sistema processual não permite que se recorra às instâncias superiores sem o devido juízo de admissibilidade na origem que, aqui, se atrela à necessidade de esgotamento recursal na instância anterior, sendo que há instrumento processual adequado a ser utilizado: petição à instância a quo.

E o mesmo vale para os casos em que a parte pretende apenas conferir efeito suspensivo ao recurso sobrestado, e não reverter a paralisação. Ou seja, o mesmo prejuízo acima referido fundamenta petição, via agravo regimental ou medida cautelar, à instância a quo para que conceda feito suspensivo ao recurso, enquanto perdurar o sobrestamento deste. Nesse sentido, precedente do STJ: “(...) compete ao Tribunal de origem, ainda que sobrestado o processo na forma do art. 543-B, §1º, do CPC, a apreciação do pedido de efeito suspensivo a recurso especial pendente de juízo de admissibilidade (...)” - destacou-se. - STJ - AGRMC 200802200321, 2ª T., rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 16/04/2009.

Chegando-se à compreensão de que em caso de indevido sobrestamento, deve-se usar de petição - agravo regimental/medida cautelar, junto à instância a quo, pois não houve juízo de admissibilidade e nem esgotamento da questão na origem, necessários para se recorrer ao STJ e ao STF, há que averiguar das situações em que o colegiado do órgão de origem insiste na paralisação. Abaixo, buscar-se-á delinear sugestões para a questão.

II.

Primeiramente, o fato do colegiado ter confirmado o sobrestamento, desaconselha - mas não impede, pedidos de reconsideração a esse mesmo colegiado, à medida que mais proveitoso à parte pronunciamento final sobre a paralisação. Segundo, a sustação em tela é instituto previsto no Código de Processo Civil, pelo que, se o sobrestamento é indevido, há, em tese, contrariedade à lei federal, o que autorizaria recurso especial ao STJ. No entanto, a bem da lógica, não há como o STJ examinar de alegação de sustação indevida (e mantida da origem) de recurso extraordinário. É que apesar da paralisação ser fundada em letra de lei federal, apenas o STF possui condições de dizer se o recurso extraordinário sobrestado guarda, ou não, identidade com o que lhe remetido.
Por conseguinte, s.m.j, se o colegiado do órgão a quo não acata as razões para a reversão do sobrestamento, recorre-se, a depender de ser recurso especial ou extraordinário paralisado, ao STJ ou ao STF, via novos recursos especial ou extraordinário - que não se confundem com os que estão paralisados na origem, para que os Tribunais superiores examinem tão-somente se os recursos que lhe foram remetidos tratam da mesma questão que aqueles que se pretende reverter a paralisação de processamento. Esses recursos específicos podem ser fundamentados, no caso do especial, em decisões divergentes de outros Tribunais, ou seja, que reverteram o sobrestamento em casos análogos, e em contrariedade (má aplicação) ao § 1º do art. 543-C do Codex processual civil.

Em se tratando de recurso extraordinário suspenso, reverter tal estado, após a negativa do colegiado de origem, por meio de segundo recurso extraordinário, mostra-se de fundamentação delicada, no sentido de que esse sobrestamento, a bem da coerência e lisura de raciocínio, não se constitui em ofensa direta à Constituição Federal. Não com base no dispositivo constitucional que trata da repercussão geral - § 3º do art. 102 da Constituição Federal: “no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”. Para contornar esse óbice, a parte pode alegar, a depender do caso, ofensa ao devido processo legal, tomando a cautela de ventilar no colegiado de origem o argumento de que o indevido sobrestamento vem lhe causando prejuízos, adiando solução sobre o bem da vida pretendido, o que remete ao inc. LIV do art. 5º do Texto Constitucional - “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Prosseguindo no estudo, se os Tribunais superiores, instigados a tanto por meio dos recursos acima delineados, decidirem pela identidade do recurso sobrestado com o que lhes foi remetido, a paralisação persiste. Se não, o Tribunal de origem deve proceder ao juízo de admissibilidade que, caso seja negativo, confere margem, aí sim, ao manuseio do agravo do art. 544 do Código de Processo Civil.

Do até aqui argumentado, tem-se que a reversão de indevido sobrestamento de recursos especiais e extraordinários deve ser buscada via petição - agravo regimental/cautelar - ao colegiado do órgão de origem. Caso este insista na sustação, há possibilidade de se recorrer ao STJ/STF, por meio de segundos recursos especial ou extraordinário, a depender do caso, mas restritos tão-somente ao exame do sobrestamento.

III.

Ainda resta tratar das hipóteses em que o prejuízo à parte deriva não mais do sobrestamento de seu recurso, mas sim dos efeitos da decisão paradigma. Ou seja, o STF e o STJ já decidiram sobre o recurso que lhes foi remetido para exame, respectivamente, da repercussão geral e da questão de direito.

Conforme a Lei, se o STF decidir não haver repercussão geral, os recursos extraordinários sobrestados serão automaticamente inadmitidos pela instância a quo - § 2º do art. 543-B do CPC. Havendo repercussão geral, os recursos suspensos serão declarados prejudicados no caso de serem contrários ao decidido pelo Supremo quanto ao meritum causae, i.é., o acórdão recorrido está conforme o entendimento do STF, ou o piso de origem poderá se retratar, pois o julgado que prolatou contraria o posicionamento do Supremo - § 3º do art. 543-B do CPC. Caso não se retrate, o recurso extraordinário deve seguir seu curso de admissibilidade usual, sendo que há jurisprudência do STF, conforme mais adiante se indicará, no sentido de que a decisão pela não-retratação autoriza o imediato uso do recurso do art. 544 do CPC, mesmo que a instância a quo não se manifeste, positiva ou negativamente, sobre a admissibilidade. Se não há retratação e ao mesmo tempo admite-se o recurso na origem, aplica-se o § 4º do art. 543-B do CPC.

Já os §§ 7º e 8º do art. 543-C do CPC determinam que se os recursos especiais sustados forem contrários ao decidido pelo STJ, terão o seguimento negado. Se os sobrestados forem conforme a decisão do STJ, o Tribunal a quo pode se retratar. Não o fazendo, passa-se ao juízo de admissibilidade do recurso especial.

Assim, especifica-se que o problema a ser tratado neste tópico constitui-se nas indevidas inadmissão de recursos especiais e extraordinários sobrestados e declaração de estarem prejudicados os extraordinários sustados. E a inadequação advém do fato de que a decisão paradigma, seja do STF, seja do STJ, não abrange todos os aspectos da lide até então paralisada, em raciocínio idêntico ao realizado no início deste estudo.

Quanto ao fato do caput do art. 543-A do Código de Processo Civil ter por irrecorrível a decisão sobre a não-presença de repercussão geral, tal não impede que se busque reverter a declaração de inadmissão dos recursos extraordinários anteriormente sobrestados. É que essa irrecobilidade refere-se apenas ao recurso remetido ao Supremo, lá fazendo coisa julgada. Nos sustados, transmuta-se em efeito, levando à não-admissão, dentro do já referido conceito de circuito fechado. E tal inadmissão, decorrente de efeito de decisão irrecorrível - não se confundindo com esta em si, pode ser impugnada, se indevida. É que os efeitos da decisão paradigma do STF não podem ser aplicados a casos semelhantes ao veiculado no recurso remetido à Corte superior. Tais efeitos somente podem incidir em casos idênticos, sob pena de se conferir a mesma solução a situações díspares. Nesse sentido, o Pleno do Supremo já se pronunciou, conforme abaixo será apontado.

Em sendo assim, para fins de construção de modelo teórico que forneça soluções ao problema, ha que se partir da seguinte premissa: no contexto dos §§ 2º e 3º do art. 543-B, recurso extraordinário inadmitido não se confunde com recurso extraordinário prejudicado. Na primeira situação, a instância de origem faz juízo de admissibilidade sobre o recurso até então sobrestado, concluindo pela inadmissão, em face de pronunciamento do STF pela não-presença de repercussão geral no tema. Se a parte entende que o sobrestamento era indevido e, por conseqüência, inadequada a inadmissão com base na decisão paradigma, deve usar do agravo do art. 544, direcionado ao Supremo, pois houve exame da admissibilidade na instância a quo. Esta fez o registro de que não há repercussão geral, por conta dos efeitos do decidido pelo Supremo.

Agora, se o Tribunal de origem julga prejudicado o recurso extraordinário, pois, não obstante haver repercussão geral, a pretensão recursal vai contra o mérito declarado pelo Supremo, a parte deve peticionar ao órgão a quo, pois não houve juízo de admissibilidade. Note-se, a declaração de estar prejudicado o recurso é feita antes de qualquer exame da admissibilidade, eis que não importa se a pretensão recursal atende aos requisitos de seguimento. O que importa é que não vinga no mérito, por conta da incidência dos efeitos da decisão paradigma. Em casos tais, não há como se recorrer diretamente ao Supremo. Se se insiste, na origem, em estar o recurso prejudicado, é que a parte pode recorrer, via segundo extraordinário, ao STF, mas visando tão-somente à subida do recurso tido por prejudicado, ou seja, visando a provimento no sentido de que a origem proceda ao juízo de admissibilidade.

Em novembro de 2009, o Pleno do Supremo, à unanimidade, pacificou que nesses casos de recurso extraordinário julgado prejudicado na origem, por meio do § 3º do art. 543-B do Codex processual civil, não é caso da parte que se sentir prejudicada ajuizar a reclamação da alínea “l” do inc. I do art. 102 da Constituição Federal, mas sim peticionar, em primeiro lugar, à origem. Eis o julgado em questão:

“RECLAMAÇÃO. SUPOSTA APLICAÇÃO INDEVIDA PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE ORIGEM DO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO PROFERIDA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 576.336-RG/RO. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DE AFRONTA À SÚMULA STF 727. INOCORRÊNCIA.
1. Se não houve juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, não é cabível a interposição do agravo de instrumento previsto no art. 544 do Código de Processo Civil, razão pela qual não há que falar em afronta à Súmula STF 727.
2. O Plenário desta Corte decidiu, no julgamento da Ação Cautelar 2.177-MC-QO/PE, que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do Código de Processo Civil.
3. Fora dessa específica hipótese não há previsão legal de cabimento de recurso ou de outro remédio processual para o Supremo Tribunal Federal.
4. Inteligência dos arts. 543-B do Código de Processo Civil e 328-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
5. Possibilidade de a parte que considerar equivocada a aplicação da repercussão geral interpor agravo interno perante o Tribunal de origem.
6. Oportunidade de correção, no próprio âmbito do Tribunal de origem, seja em juízo de retratação, seja por decisão colegiada, do eventual equívoco.
7. Não-conhecimento da presente reclamação e cassação da liminar anteriormente deferida.
8. Determinação de envio dos autos ao Tribunal de origem para seu processamento como agravo interno.
9. Autorização concedida à Secretaria desta Suprema Corte para proceder à baixa imediata desta Reclamação” - destacou-se. - STF - Rcl 7569/SP, T.P., rel. Min. Ellen Gracie, DJe-232 divulg. 10/12/2009, public. 11/12/2009.

O acórdão acima transcrito reforça a importância da realização do juízo de admissibilidade na origem - que se conecta à necessidade de esgotamento da instância anterior, como requisito a se recorrer às Cortes superiores, em qualquer situação.
E esse mesmo julgado traz que, se o recurso extraordinário sobrestado está de acordo com o mérito declarado pelo Supremo e a instância a quo decide por não se retratar, é caso de manuseio do recurso do art. 544 do CPC: “destaque-se que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia com a manutenção, pela instância ordinária, de decisão contrária ao entendimento firmado nesta Corte, conforme já decidimos no julgamento da Ação Cautelar 2.177-QO/PE, por mim relatada, Dje 20.02.2009. Verifica-se que essa é a única hipótese de remessa de agravo a este Tribunal após o julgamento dos efeitos representativos da matéria”- destacou-se; do voto condutor da Ministra Ellen Gracie.

Assim, tenha-se em mente que essa não-retratação, segundo o STF, equivale a não-admissão na origem, pelo que, para o uso do agravo do art. 544, não há necessidade de que a instância de piso, além de não se retratar, declare, expressamente, não admitir o recurso. Se não se retratar, mas admitir o recurso extraordinário, incide o § 4º do art. 543-B do CPC. É que esse juízo de retratação - que consiste em inovação, no sentido de que à instância de origem é possibilitado reformar seu próprio julgado, fora das hipóteses de embargos de declaração, com efeitos modificativos, e dos embargos infringentes e de nulidade do processo penal - não se confunde com o de admissibilidade na origem.

Ainda, a Ministra relatora, expressamente, registrou que os efeitos da decisão paradigma pela não-presença de repercussão geral, bem como pela presença, somente podem incidir nos recursos extraordinários sustados que veiculem matéria idêntica, e não semelhante, à examinada pelo Supremo: “o presente caso apresente peculiaridade. É que a instância de origem, ao assemelhar a hipótese dos autos a outra em que a repercussão geral não fora reconhecida pelo Plenário Virtual, na verdade não se ateve ao disposto na sistemática da repercussão geral. Tanto o § 5º do art. 543-A, quanto o caput do art. 543-B, ambos do Código de Processo Civil, estabelecem a aplicação da decisão sobre a existência ou não de repercussão geral a matérias idênticas. As instâncias ordinárias somente estão autorizadas a aplicar o entendimento fixado por esta Corte. Se não o fizerem, em juízo de retratação, ficam obrigadas a enviar-nos os agravos interpostos pelas partes. Mas não há qualquer previsão legal ou regimental para a extensão por analogia de hipótese de repercussão geral reconhecida ou não pela Corte. O que justifica todo o novo sistema de racionalização da Justiça é que hipóteses idênticas recebam a mesma solução. É dizer, não estão os tribunais ou instâncias de origem autorizados a aplicar o instituto da repercussão geral a casos distintos, embora assemelhados” - destacou-se.

No caso de decisão paradigma em recurso especial, se o Tribunal de origem não admite, por força do inc. I do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil, o recurso até então sobrestado, usa-se, desde logo do agravo do art. 544 do mesmo Codex, pois houve juízo de admissibilidade (negativo). É que o STJ, ao examinar o recurso remetido, somente pode se pronunciar em dois sentidos sobre a questão de direito, não há juízo sobre repercussão geral, que é, digamos assim, terceiro ponto, cujo exame somente é exigido no Supremo. Daí a inadmissão do recurso especial sobrestado, como efeito da conformidade entre o acórdão recorrido e a decisão paradigma, poder desde logo ser levada ao STJ, caso a parte entender nao haver identidade. E tal não se confunde com declaração de estar prejudicado recurso extraordinário - que deve ser impugnada, em primeiro lugar, no órgão a quo -, ainda que as duas situações tenham em comum serem efeitos de decisão sobre o meritum causae. Tenha-se em mente que, mais uma vez, para fins teóricos, inadmissão e declaração de estar prejudicado o recurso são conceitos distintos.

Ainda, conforme já se disse, nada obsta que decisões paradigmas do STF e do STJ, oriundas dos arts. 543-B e 543-C em comento, sejam base, dentro das razões gerais do art. 557 do Código de Processo Civil, para inadmissibilidade recursal, na origem, de recursos que não foram sobrestados e interpostos após a prolação dos paradigmas. Nesses casos, há juízo de admissibilidade na origem, o que é desafiado pelo agravo do art. 544.

IV.

Em suma: para se selecionar os instrumentos adequados à reversão da indevida aplicação da sistemática dos arts. 543-B e 543-C do Código de Processo Civil, é defensável o entendimento de que se deve levar em conta se a decisão questionada possui natureza de exame de admissibilidade recursal na origem. Se sim, recorre-se ao STF e ao STJ. Se não, há que peticionar ao órgão de origem, para só então se recorrer às instâncias extraordinárias.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A competência para processar e julgar (ex-) Prefeito pelo desvio de verbas


Existem dois verbetes do Superior Tribunal de Justiça versando sobre a competência para processar e julgar prefeito municipal. Ei-los:

"208. Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.

209. Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal".

O Superior Tribunal de Justiça apresentou hoje a seguinte notícia, seguindo a linha de sua jurisprudência:

Justiça comum deve julgar ação contra ex-prefeito por desvio de verbas de convênio

Compete à Justiça Estadual processar e julgar ação de ressarcimento movida contra ex-prefeito, por desvio de verba federal repassada por força de convênio, transferida e incorporada ao patrimônio municipal. A conclusão é da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao negar provimento a recurso especial do Ministério Público do Rio Grande do Norte contra o ex-prefeito do município de Extremoz Walter Soares de Paula.

O município ajuizou a ação de improbidade administrativa, em razão de irregularidades no repasse de verbas do Fundo Nacional de Saúde (FDS). O juízo da comarca da 1ª Vara Cível de Ceará Mirim/RN, reconhecendo que a ação visa ao ressarcimento ao erário de valores recebidos em razão de convênio firmado com a União, declinou da competência para a Justiça Federal.

O juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, por sua vez, remeteu os autos ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que também se declarou incompetente. “Se não há interesse da União no seguimento da demanda, nada justifica que uma ação civil pública movida contra ex-prefeito, ora em trâmite no TRF, nele permaneça”, afirmou o TRF5. “Excluída a União da lide, o caso é de se declinar a apreciação do feito ao juízo competente, que, na hipótese dos autos, é o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte”, concluiu.

O Ministério Público Federal recorreu, então, ao STJ, alegando, preliminarmente, ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil. No mérito, sustentou ofensa aos artigos 329 e 330, ambos do Código de Processo Civil, ao fundamento de que a competência para julgamento da presente ação é da Justiça Federal, tendo em vista que as verbas em discussão estão sujeitas à prestação de contas perante órgão federal.

O recurso foi conhecido, mas não provido. “Em se tratando de demanda referente a verbas recebidas mediante convênio entre o município e a União, quando tais verbas já foram creditadas e incorporadas à municipalidade, a competência para apreciá-la é da Justiça Comum Estadual”, afirmou o relator do caso, ministro Luiz Fux.

Ao negar provimento ao recurso especial, o ministro lembrou que, não havendo manifestação de interesse da União em ingressar no feito, tendo em vista que a verba pleiteada já está incorporada ao patrimônio municipal, a competência não é mesmo da Justiça Federal. "Compete à Justiça Estadual processar e julgar ação de ressarcimento movida contra ex-prefeito, pela inaplicação de verbas federais repassadas por força de convênio”, concluiu Fux.

Assim, se a municipalidade já tiver incorporado verba federal, a competência será da Justiça Estadual, ainda que os recursos estejam submetidos a controle pelo Tribunal de Contas da União.

Vale, aqui, questionar que atos importam a incorporação da verba pelo Município: o mero creditamento em conta, sua efetiva utilização pelo Município ou a efetiva aprovação de contas, nos casos em que haja dispositivo determinando a devolução dos valores remanescentes ou utilizados em finalidade distinta daquela prevista no convênio?

Dêem suas opiniões...

terça-feira, 23 de março de 2010

Artigos 396 e 399 do Código de Processo Penal e recebimento da denúncia


O Dr. Marcus da Penha disponibilizou as razões do Recurso Especial 2010/096 - CHEFIA-ML-PRR1, interposto nos autos da Correição Parcial nº 2009/00768-DF, em que se discute a interpretação dos artigos 396 e 399 do CPP.
Entendeu o TRF - 1ª Região que o juízo de recebimento da denúncia deve ocorrer após ultrapassada a fase de absolvição sumária, malgrado isto contrarie expressa redação legal. Eis o acórdão recorrido:

“CORREIÇÃO PARCIAL. PROCESSUAL PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SISTEMÁTICA DA LEI 11.719/2008. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO.

Oferecida a denúncia, a expressão 'recebê-la-á e ordenará a citação do acusado...', constante do art. 396 do Código de Processo Penal, não deve ser entendida em sentido técnico, senão que, tendo a denúncia em mãos, deve o juiz, se não rejeitá-la liminarmente, notificar o acusado para responder à acusação, no prazo de 10 (dez) dias, na moderna tendência de estender a sistemática da resposta prévia do acusado a todos os procedimentos penais.

O recebimento da denúncia, propriamente dito, que oficializa a ação penal e interrompe a prescrição (art. 117, I – CP), somente ocorrerá depois da apreciação da resposta do acusado, nos termos do art. 399, se o juiz não der pela absolvição sumária (art. 397). Não há falar-se, com noção técnica, em dois recebimentos da denúncia.

O recebimento da denúncia, ato processual de crucial relevância – sobre oficializar a ação penal, interrompe o curso da prescrição –, não pode ficar ao sabor de divergências de entendimento. Interpretação sistemática que se impõe em face dos arts. 396 usque 399 do CPP (com a redação da Lei 11.719/2008), à luz, inclusive, do princípio constitucional do contraditório.

Indeferimento da correição parcial” (ênfase acrescida).


O Recurso Especial, portanto, insurge-se contra decisão que conferindo nova interpretação ao termo "recebê-la-á" constante do artigo 396 do CPP, dilata implicitamente o marco interruptivo da prescrição. A seguir, trechos das razões recursais:


A Lei 11.719/2008, alterando a redação do artigo 396 do Código de Processo Penal, disciplinou nova sistemática para o recebimento da denúncia:

“Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias” (ênfase acrescida).

O dispositivo prevê o seguinte iter: oferecida a denúncia, deverá o juiz examinar a petição inicial e analisar a falta de algum dos requisitos constantes do artigo 41 do Código de Processo Penal1, de algum pressuposto processual ou da justa causa. Ressentindo-se a denúncia de algum desses elementos, deverá o juiz rejeitá-la liminarmente.

Por outro lado, estando formal e materialmente correta, deverá o juiz receber a denúncia, ordenando, em seguida, a citação do acusado para responder à acusação.

Ressalte-se que, nem o Código de Processo Penal, nem tampouco a Constituição, consagraram no rito ordinário um contraditório prévio ao recebimento da denúncia.

Com efeito, é excepcional a oportunização de defesa antes do recebimento da denúncia, tendo lugar na atual sistemática apenas nos casos previstos na Lei 9099/95, na Lei 11.343/07 e na Lei 8038/90, casos em que suas peculiaridades justificam o rito diferenciado: a Lei 9099/95 pauta-se pela informalidade e celeridade dos procedimentos, a Lei 11.343/07 trata de crimes especialmente graves, nos quais já se relatou a ocorrência de diversos abusos, inclusive por policiais, e a Lei 8038/90 assegura um procedimento diferenciado, em razão da defesa dos cargos públicos exercidas pelas autoridades acusadas.

O acórdão recorrido subverteu a regra existente: à exceção dos referidos diplomas legais, não há previsão legal de contraditório anterior ao recebimento da denúncia. Logo, não há razão para se estender a disciplina excepcional aos demais casos previstos no Código de Processo Penal.

Vê-se, ainda, que o fator do descrímen não é o sujeito do delito, mas sim o crime em apuração. Não há, pois, supor qualquer afronta à isonomia decorrente do fato de o legislador não realizar o contraditório prévio em casos que tais.

Ao contrário: a abstração do regramento legal implica criação de direito pelo julgador, como se fosse legislador positivo, o que é de todo vedado pelo ordenamento pátrio.

Entendimento diverso, aliás, secundaria posição notoriamente contrária à lei e ao princípio republicano da separação dos poderes.

De fato, o artigo 396 do Código de Processo Penal prevê em seu rito um juízo sumário acerca da regularidade formal da denúncia. Tal disciplina é, inclusive, favorável ao réu, pois determina que a ação manifestamente inepta seja de plano rechaçada, evitando, assim, maiores prejuízos ao acusado.

Não deve pois o juiz negar-se a realizar o juízo positivo ou negativo de recebimento da denúncia, uma vez que isso, além de afrontar a lei, impede o manejo pela parte do recurso adequado. É dizer: quando o juízo se omite em seu dever legal, ele obsta o andamento regular do processo, expressamente delineado no já mencionado dispositivo.

A doutrina segue este mesmo rumo:

Houve mudança igualmente radical em relação à posição da defesa no processo. Agora, em todos os procedimentos, comuns e especiais, ressalvado, como veremos, o procedimento do Júri e dos Juizados Especiais Criminais, haverá resposta escrita da defesa, após a citação do réu. É dizer, o réu será citado para apresentar defesa escrita no prazo de 10 (dez) dias, e não para comparecer a interrogatório. Aliás, o interrogatório, anteriormente previsto como primeira providência defensiva e instrutória, passa a ser a última delas, ao final da audiência de instrução.

(Omissis).

Ficou assim o novo rito ordinário:

1) Oferecida a denúncia ou queixa, o juiz poderá rejeitá-la, liminarmente (art. 395, CPP), quando:

a) for manifestamente inepta;

b) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou

c) faltar justa causa para o exercício da ação penal.

.................................................................................................

2)Não rejeitada a peça acusatória, deve o juiz recebê-la, determinando, em seguida, a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias (art. 396, CPP), se não for o caso de suspensão condicional do processo (art. 89, Lei 9.099/95)”(ênfase acrescida).

“38. Procedimento comum regido pelo CPP: o disposto nos artigos 396 a 405 do Código de Processo Penal disciplina os procedimentos ordinário e sumário. Na realizada, os que são objetos de atenção pelo CPP, uma vez que o sumaríssimo é regido pelo disposto na Lei 9.099/95.

39. Rejeição liminar: é mais que óbvio, dispensando-se constar expressamente em lei, que, se o juiz não rejeitar liminarmente a peça acusatória, deve recebê-la. Ora, o magistrado rejeitará a denúncia ou queixa, nos casos retratados no art. 395 do CPP, motivo pelo qual não haveria necessidade de ser repetida a mesma situação neste artigo.

40. Recebimento da denúncia ou queixa: estando apta a peça acusatória, preenchidas as condições da ação penal, logo, havendo justa causa, deve o magistrado receber a denúncia ou queixa. Assim fazendo, determina-se a citação do réu para responder à demanda, nos mesmos moldes estabelecidos para o procedimento do júri (art. 406, caput, CPP).

..............................................................................................

42. Resposta por escrito: equivalente à anterior defesa prévia, o acusado deve apresentar os argumentos que tiver para contrariar a acusação. A vantagem dessa resposta, entretanto, quanto mais minuciosa for, é encaminhar o caso a eventual possibilidade de absolvição sumária (art. 397, CPP)”.

Tampouco há vislumbrar conflito entre o que dispõem os artigos 396 e 399 do Código de Processo Penal: malgrado ambos dispositivos mencionem o termo recebimento, certo é que esse ocorre formalmente antes da citação do acusado.

Aliás, seria de todo descabida a tese de que o recebimento da denúncia ocorreria após superada a possibilidade de absolvição sumária do denunciado: não se pode absolver alguém de alguma acusação que sequer foi recebida. Nesse rumo, mais uma vez, o entendimento doutrinário:

“54. Início da instrução e erro de redação: é inegável o equívoco legislativo na redação do art. 399 ('recebida a denúncia ou queixa'), dando a entender que seria a peça acusatória recebida duas vezes, pois já fora realizada essa atividade por ocasião do disposto no art. 396, caput. Tanto que este artigo é bem claro, mencionado, até de maneira desnecessária, que a peça acusatória, se não for liminarmente rejeitada, será recebida, ocasião em que o magistrado ordenará a citação do réu para responder à acusação. Ademais, por uma questão de lógica, somente tem sentido falar-se em absolvição sumária, quando a relação processual aperfeiçoou-se, ou seja, a peça acusatória foi recebida, o réu foi citado e ofereceu sua defesa. Se a defesa prevista no art. 396-A fosse mera defesa preliminar, a denúncia ou queixa não teria sido recebida, nem se falaria em absolvição sumária, mas em simples rejeição da peça acusatória, caso acolhidos os argumentos defensivos”.

“Na edição passada, sequer nos preocupamos em discutir o recebimento da denúncia, sob a perspectiva, então não vislumbrada da existência, ou não, de dois recebimentos da peça acusatória, ou de um único, reservada, porém, a fase do art. 399, ou seja, após o oferecimento da resposta escrita.

Não vislumbrávamos e, como o devido respeito às vozes discordantes e seus autores, continuamos sem vislumbrar. Por quê?

Por razões as mais simples.

Não há no texto constitucional qualquer exigência de exercício de ampla defesa antes da ação penal. Aliás, como vimos no exame do sistema acusatório, a característica essencial desse sistema processual, ao lado da atribuição, a órgãos diferentes das funções de acusar e de julgar, é o início da fase processual, a partir justamente do ingresso da jurisdição após o oferecimento da peça acusatória. Nada impede, portanto, que se ouça a defesa antes do recebimento da acusação. No entanto, nada há que obrigue o legislador a assim se conduzir”(ênfase acrescida).

Além disso, a redação do artigo 399 não determina a repetição do ato de recebimento da denúncia, mas apenas menciona:

“Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente”.

Ora, a expressão “recebida a denúncia” apenas retoma o momento anterior, a fim de dar prosseguimento ao texto e ao próprio rito processual com coerência.

É dizer: tendo já sido recebida a denúncia, deverá o juiz analisar a existência de uma das causas de absolvição sumária constantes do artigo 397 do CPP – reconhecimento de causa excludente de ilicitude do fato, da culpabilidade do agente, da inexistência de crime ou de causa extintiva da punibilidade – em não havendo qualquer delas, deve o julgador designar a audiência de instrução para a oitiva das testemunhas arroladas.

As hipóteses previstas para a absolvição sumária encerram juízo de mérito que produzem, como efeito – diferentemente do juízo de rejeição da denúncia – a coisa julgada material.

O próprio artigo 363 do CPP remete a essa mesma conclusão: 'o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado'.

Além disso, como bem pontuou Marcelo Pimentel Bertasso, esta é a única interpretação possível segundo os princípios que norteiam a interpretação sistemática:

“A harmonização de todos esses textos somente ocorre se concluirmos que a denúncia foi recebida na fase do art. 396 do Código de Processo Penal. Com efeito, não se pode conceber que o réu seja 'citado' por edital para oferecer resposta preliminar (cujo termo inicial começará a correr com sua apresentação em juízo) se a denúncia sequer foi recebida. A situação se agrava caso se pretenda aplicar a regra do art. 366. Embora o não recebimento da denúncia não obste a suspensão do prazo prescricional, não se pode falar em 'produção antecipada de prova' sem denúncia anteriormente recebida, porque neste caso haverá grande dificuldade em se caracterizar essa prova pré processual, na medida em que produzida sem denúncia recebida. Daí concluir-se que, efetivamente, o recebimento da denúncia na sistemática estabelecida pela Lei nº 11.719/08, ocorre antes da defesa do denunciado” (ênfase acrescida).

A essa mesma conclusão se chega por meio da interpretação histórica: a redação original do Projeto de Lei nº 4.701/01, que deu origem à Lei 11.719/08, previa, em seu artigo 395, um contraditório anterior ao recebimento da denúncia. A Câmara dos Deputados, todavia, ofereceu emenda, incluindo o termo “recebê-la-á” no artigo 396 do Código de Processo Penal.

Nesse sentido, o comentário do Procurador Regional da República Eugênio Paccelli, que fez parte da Comissão que redigiu o anteprojeto:

“A redação original do anteprojeto que culminou na Lei 11.719/08 tratava a matéria de modo diferente. Previa que o recebimento da denúncia somente se daria após a apresentação da resposta escrita.

No entanto, o legislador brasileiro assim não quis. Preferiu manter a regra do recebimento prévio (...) E fê-lo, para usar a linguagem então escolhida: 'o juiz...recebê-la-á e ordenará a citação do acusado...' Com visto, com todas as letras!”.

O acórdão fundamentou a decisão ao argumento de que o contraditório prévio à denúncia daria maior coerência ao sistema. Tanto, contudo, não se entrevê: não há lugar para interpretação extensiva ou analógica diante de disposição legal diversa. Entendimento distinto secundaria decisão contra legem, vedada no ordenamento.

De igual modo, não há conflito de valores ou conflito entre normas que justifique uma ponderação de outros valores constitucionais, ou declaração de invalidade da norma, como faz supor o acórdão.

Além disso, é manifesta a divergência jurisprudencial sobre tal matéria, como faz ver o confronto do aresto recorrido do Tribunal Regional Federal da 1ª Região com o paradigma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

“CORREIÇÃO PARCIAL. PROCESSUAL PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SISTEMÁTICA DA LEI 11.719/2008. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO.

1.Oferecida a denúncia, a expressão 'recebê-la-á e ordenará a citação do acusado...', constante do art. 396 do Código de Processo Penal, não deve ser entendida em sentido técnico, senão que, tendo a denúncia em mãos, deve o juiz, se não rejeitá-la liminarmente, notificar o acusado para responder à acusação, no prazo de 10 (dez) dias, na moderna tendência de estender a sistemática da resposta prévia do acusado a todos os procedimentos penais.

2.O recebimento da denúncia, propriamente dito, que oficializa a ação penal e interrompe a prescrição (art. 117, I – CP), somente ocorrerá depois da apreciação da resposta do acusado, nos termos do art. 399, se o juiz não der pela absolvição sumária (art. 397). Não há falar-se, com noção técnica, em dois recebimentos da denúncia.

3.O recebimento da denúncia, ato processual de crucial relevância – sobre oficializar a ação penal, interrompe o curso da prescrição –, não pode ficar ao sabor de divergências de entendimento. Interpretação sistemática que se impõe em face dos arts. 396 usque 399 do CPP (com a redação da Lei 11.719/2008), à luz, inclusive, do princípio constitucional do contraditório.

4.Indeferimento da correição parcial” (ênfase acrescida, fl. 147).

“EMENTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. CITAÇÃO. ORDEM DENEGADA.

1.Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, ou seja, a tarefa do juiz não se resume a simples ato ordinatório de citação, como crêem alguns, mas verdadeira decisão fundamentada acerca da admissibilidade da pretensão do Ministério Público, sobre a qual emitirá, posteriormente, novo juízo, agora sobre as teses ventiladas pela defesa, e como previsto no artigo 397, do CPP.

2.Denúncia recebida ainda sob a égide do dispositivo de lei revogado, tendo o magistrado optado por adequar o feito às inovações, com a determinação de citar os acusados para apresentar resposta, muito após ter recebido a denúncia.

3.Ordem denegada” (ênfase acrescida).

Tratando ambos os acórdãos do mesmo assunto, deram-se, não obstante, soluções diversas: no primeiro, subverteu-se a dicção legal para dar um significado atécnico para a expressão “recebê-la-á”, no intuito de privilegiar um contraditório prévio não previsto na lei, nem exigido na Constituição.

No segundo acórdão, conferiu interpretação austera do dispositivo constante do artigo 396 do Código de Processo Penal, segundo os parâmetros gramatical, histórico e sistemático. Nesse sentido, trecho do voto da relatora do processo do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

Conquanto a tese exposta pela impetrante repercuta no meio jurídico, ainda mais em momento de inovação legislativa, entende esta magistrada que a redação do artigo 396 do Código de Processo Penal não permite interpretações flexíveis a ponto de conferir à expressão 'oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação' a uma redução à parte final dessa frase, como querem alguns, para limitar a tarefa do juiz a simples ato ordinatório de citação, mas verdadeira decisão fundamentada acerca da admissibilidade da pretensão do Ministério Público, sobre a qual posteriormente emitirá um novo juízo, agora acerca das teses veiculadas pela defesa, como previsto no artigo 397 do CPP. O ilustrado relator, ao proferir decisão liminar, assim se manifestou:

........................................................................................................

Da simples leitura do art. 396 do CPP, com a nova redação dada pela Lei nº 11.719/08, em vigor a partir de agosto de 2008, antes de ordenar a citação do acusado para apresentar defesa preliminar, deve o magistrado, se não vislumbrar motivos para a rejeição liminar da denúncia, recebê-la. Ou seja, a finalidade da resposta do acusado após a citação, na hipótese, proporciona à defesa a oportunidade de apresentar ao Juízo a quo os argumentos ora relatados neste habeas corpus, nos termos dos arts. 95 a 112 do CPP. Neste sentido a doutrina atual:

'O Projeto de Lei 4.207/2001 criava uma fase intermediária de juízo de admissibilidade da acusação e concentrava os atos de instrução debates e julgamento, em uma única audiência. Todavia, por força de emendas na Câmara dos Deputados, tal mudança acabou não sendo incorporada à Lei 11.719/2008, que continua prevendo o recebimento imediato da denúncia ou queixa, antes da apresentação da defesa.

Antes de dar como recebida a denúncia, o juiz deverá analisar se é ou não caso de rejeição liminar. O legislador aqui avançou menos do que previa o projeto inicial. Lá, imaginava-se uma verdadeira defesa preliminar que o acusado deveria oferecer (nos moldes do procedimento para os crimes de tóxico), e somente após esta apresentação o juiz decidiria sobre o recebimento ou não da peça acusatória (...)”.

Assim sendo, demonstrada a ofensa ao dispositivo apontado e feito o necessário cotejo analítico, revelando a similitude fática de ambos os acórdãos, queda incontroverso o tratamento diferenciado a casos semelhantes, a recomendar o julgamento favorável deste recurso interposto.

PS: Há ressaltar que o recurso não está reproduzido em sua íntegra, bem como não foi possível relacionar as notas de rodapé, muitas delas, inclusive, retiradas do Livro Curso de Processo Penal do Exmo. Procurador Regional da República Eugênio Pacelli de Oliveira.






quinta-feira, 11 de março de 2010

RE e RESP - Tráfico Ilícito de Entorpecentes - Liberdade Provisória

Eis o nosso primeiro tópico relativo a tráfico ilícito de entorpecentes! Pesquisa recente revela ainda subsistir divergências entre a 5ª e a 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça e a 1ª e 2ª Turmas do Supremo Tribunal Federal quanto à possibilidade prisão ex lege daquele que pratica o crime de tráfico.

A Suprema Corte já disse acerca da existência de repercussão geral no caso. E a discussão naquela instância diz respeito à inafiançabilidade do delito prevista no artigo 5º-XLIII da Constituição.
Já no âmbito do Superior Tribunal de Justiça o debate cinge-se à interpretação do artigo 44 da Lei 11.343/2006 que expressamente veda a concessão de fiança, sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, além da conversão de suas penas em restritivas de direitos.
A seguir, julgados recentes sobre a matéria:

1ª Tuma - STF: vedação constitucional. HC 100644/SP, relator o ministro Ricardo Levandowski, DJe 18/02/2010, publicado em 19/02/2010.

2ª Turma - STF: julgamento isolado, mas recente, no sentido da inconstitucionalidade do artigo artigo 44 da Lei 11.343/06. HC 101505/SC, relator o ministro Eros Grau, DJe de 11.02.2010, publicado em 12.02.2010. Em julgados anteriores a Turma se manifestou pela constitucionalidade do dispositivo legal. Exemplo: HC 95671/RS, relatora ministra Elen Gracie, DJe de 19.03.2009, publicado em 20.03.2009.

Repercussão geral:
"PRISÃO PREVENTIVA - FLAGRANTE - TRÁFICO DE DROGAS - FIANÇA VERSUS LIBERDADE PROVISÓRIA, ADMISSÃO DESTA ÚLTIMA. Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de ser concedida liberdade provisória a preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas, considerada a cláusula constitucional vedadora da fiança nos crimes hediondos e equiparados" STF - RE 601384/RG/RS, relator o ministro Marco Aurélio, DJe de 28.10.2009, publicado em 29.10.2009.

5ª Turma STJ - constitucionalidade da vedação ex lege da liberdade provisória. RHC 26374/RS, relator o ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe de 01.02.2010.

6ª Turma STJ - inconstitucionalidade do artigo 44 da Lei 11.343. Necessidade de fundamentação à luz do artigo 312 do CPP. HC 120.353, relator para o acórdão o ministro Ari Pargendler, Julgado em 04.11.2009.

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Assessores, Analistas e demais servidores da PRR1

Sejam bem-vindos!

No intuito de aprimorar a integração, a partilha e promover o debate de temas, julgados e questões jurídicas, desenvolveu-se este espaço, a fim de fornecer mais um valioso instrumento de aperfeiçoamento do trabalho a ser realizado no âmbito da Procuradoria Regional da República - 1ª Região.
Contamos com a participação de todos na remessa de pareceres e recursos sobre assuntos relevantes, discussão dos julgados do Tribunal Regional Federal, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, especialmente.